Após quase 3meses, e muitos carros de substituição, e muitas
memórias, e muitas saudades, a IS regressou das cinzas. No outro dia falava com
a mãe do meu falecido padrinho, uma senhora que escreve, fala e vive com alma,
e comentávamos o valor que alguns objectos ganham na nossa vida, ao ponto de os
vermos quase como uma companhia, um amigo. Não tem nada a ver com materialismo,
tem a ver com vivências, histórias e estórias nossas, que esses mesmos objectos
guardam, ao ponto de personificarem sentimentos, recordações, vitórias,
derrotas, aprendizagens, etapas.. vida!! E a vida que lhes damos faz com que
estes assumam vida. Para a D. Salomé, a mãe do meu padrinho, seria impossível
viver sem a velha cafeteira, onde faz o café todos os dias, há 50 anos. Para
mim, entre outras coisas, é a IS. Pelas histórias que já vivemos juntas: seja
aquele primeiro dia a conduzir sozinha com o coração a palpitar, seja pelo dia
em que decidi morar sozinha e enfiei literalmente toda a minha vida naquela
mala e fiz as mudanças sozinha (com a ajuda dela :D), ou seja naquele dia,
daquele acidente aparatoso, em que chorei ao vê-la ir embora no reboque,
pensando nunca mais vê-la. Quando, dias depois, já a imaginava em abate,
ligaram-me e perguntaram-me se houvesse hipótese de a recuperar, se a queria.
Como podia não querer? Não queria mais nenhum outro carro.. Ao recebe-la, hoje,
3meses volvidos após o acidente, chorei, sorri, e senti tudo aquilo que se
sente quando se revê um velho amigo que esteve muito doente. Um objecto nunca
na vida pode substituir uma pessoa, mas, tal como numa relação com qualquer
pessoa, é inevitável associarmos, quer o objecto quer a pessoa, a todas as
histórias que já vivemos com em conjunto. A cafeteira da D. Salomé acompanha-a
há 50 anos. Quantos amigos terá ela a acompanhá-la há tanto tempo? As melhores
coisas da vida não são coisas, mas o melhor que levamos desta vida são as
nossas memórias e vivências, coisas essas (também) feitas das NOSSAS coisas. E
enquanto o valor sentimental for o elo de ligação, qualquer objecto ganhará
vida, e personificará muitos sentimentos que muitas pessoas nunca conseguirão
personificar.